A abordagem geográfica raramente é « uniscalar ». Um estudo sobre a oferta de leitos de cuidados intensivos nas capitais dos estados brasileiros ilustra a concentração de certos serviços de acordo com um modelo de centro-periferia. Uma capital está no centro de uma rede de cidades que polariza de forma mais ou menos monopolista. Nos Estados mais recentemente desenvolvidos, mais rurais, o território da capital tende a concentrar o sector terciário superior. Poucas cidades aparecem como « contrapesos » suficientemente grandes para serem susceptíveis de receber hospitais com unidades de cuidados intensivos. A hipótese de uma maior concentração de serviços no Norte e no Nordeste pode assim ser testada. Em 3 estados, as capitais concentram 100% dos leitos de UTI (no Amazonas, Amapa e Roraima) e 90% em Sergipe, um pequeno estado no Nordeste (FIG.1).
FIG.1 Numeros e parte de beneficiarios de planos de saude
Fonte. CFM, 2018 H.Foissotte, 2020
Por outro lado, nos estados do sul e do sudeste, a organização espacial mais multipolar limita os efeitos de uma « macrocefalia » da capital (FIG.2). Nos Estados destas regiões, as capitais nunca concentram mais de metade dos leitos de UTI do Estado. Globalmente, todas as capitais têm um rácio cama UTI/10.000 pessoas acima do limiar exigido de 1 cama/10.000 pessoas.
FIG.2 Numeros e densidade de leitos UTI por capitais brasileiras
Fonte. CFM, 2018 H.Foissotte, 2020
Mas também aqui existe uma grande heterogeneidade entre as capitais mais bem servidas, que variam entre 1,42 em Macapà (Norte), 7 em Florianópolis (Sul) e Cuiaba (Centroeste) e 8,47 em Vitoria (Sudeste)(FIG.2). Os estados amazónicos têm geralmente poucas camas, uma densidade de leitos de UTI e uma elevada concentração destas camas num único local, a capital do estado, o que, de facto, limita a eficácia da resposta dos serviços de cuidados intensivos, que são conhecidos como importantes na luta contra a Covid19 . No entanto, a desigualdade na oferta de cuidados no Brasil não é apenas uma dimensão espacial. Correndo o risco de se repetir, é de facto o aspecto socialmente discriminatório que limita a eficácia do sistema de cuidados. Também aqui, uma leitura da oferta de camas públicas de cuidados intensivos mostra as profundas desigualdades do sistema.
FIG.3 Numeros e densidade de leitos UTI do SUS por capitais brasileiras
Fonte. CFM, 2018 H.Foissotte, 2020
Embora a oferta de leitos de cuidados intensivos públicos (2,07) seja efectivamente o dobro do rácio mínimo exigido de 1 cama por 10 000 habitantes, algumas capitais oferecem menos do que este rácio (FIG.3). Embora isto possa não parecer surpreendente nos estados amazônicos, as baixas taxas na capital federal do Brasil (0,91) e na antiga capital Rio (1,25) são um lembrete, se necessário, da dimensão mercantil do sistema de saúde. A disposição pública dá frequentemente lugar à disposição privada quando esta última encontra um terreno favorável.
FIG.4 Numeros e densidade de leitos UTI privados por capitais brasileiras
Fonte. CFM, 2018 H.Foissotte, 2020
A oferta de cuidados intensivos em clínicas privadas é três vezes superior à do público quando comparada com o número de beneficiários (6,72 leitos por 10.000 habitantes em comparação com 2,07 no sector público). Para além de Rio Branco (Acre), a única capital com menos de 1 leito de UTI por 10.000 habitantes, o rácio de prestação privada de cuidados intensivos parece ser vantajoso em todas as capitais. O serviço médio é de mais de 6 camas por 10.000 habitantes. Também aqui, a dualidade da prestação de cuidados no Brasil distorce esta abordagem. A Figura 5 mostra que menos de um quarto dos habitantes das capitais da Amazónia (região « Norte ») tem acesso a serviços privados de assistência. Embora a percentagem de beneficiários de seguros de saúde privados seja ligeiramente superior nas grandes capitais do Nordeste, nunca ultrapassa os 40%. Por outro lado, em todas as capitais do Sul e do Sudeste, a percentagem de beneficiários de seguros privados cobre quase metade da população.
FIG.5 Numeros e parte de beneficiarios de planos de saude por capitais brasileiras
Fonte. CFM, 2018 H.Foissotte, 2020
Assim, a revista britânica « The Lancet » recordou os desafios da necessária adaptação do sistema de saúde à realidade da pandemia.
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31095-3/fulltext
Os casos de contaminação por covid19 estão a alastrar em cidades brasileiras cada vez mais pequenas, embora a oferta de cuidados de saúde seja frequentemente incapaz de tratar os doentes. A abertura de unidades privadas de cuidados intensivos a todos parece ser agora a condição sine qua non para o « terracing » do vírus.