Fonte : UNESCO, ORG
Fonte : Atelier Tamis
Os defensores da lei « Escola sem partido », retransmitidos pelo novo presidente Jaïr Bolsonaro, querem « queimar com uma lança de fogo » uma pedagogia e expulsá-la das escolas: a do pedagogo Paulo Freire. Nascido numa família de classe média do Nordeste brasileiro, Paulo Freire, tal como o geógrafo e médico Josué de Castro, autor de « Geografia da Fome », verá esta mesma fome assombrar o campo e os bairros populares das cidades do Nordeste. Muito rapidamente, estabelecerá uma ligação entre o sofrimento da fome e o analfabetismo. A partir daí, a sua luta foi vista não só como alfabetização, um processo pelo qual passou, mas também como alfabetização, um processo partilhado e emancipador. Estes dois excertos do seu livro « Pedagogia do Oprimido » (Maspéro, 1974) expressam esta ideia de alfabetização para a libertação.
…] Esta é a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos: libertar-se a si mesmos e aos seus opressores. Aqueles que oprimem, exploram e exercem violência não podem encontrar no exercício do seu poder a força para libertar os oprimidos e para se libertarem a si próprios. Só o poder que provém da fraqueza dos oprimidos será suficientemente forte para libertar ambos. … Os opressores falsiamente generosos são obrigados a permitir a ocorrência de injustiças para que a sua « generosidade » possa continuar a manifestar-se.5 A ordem social injusta é a fonte permanente desta « generosidade » que se alimenta de morte, desânimo e miséria.
…] A verdadeira generosidade consiste em lutar para que cada vez menos mãos, sejam de homens ou de povos, sejam estendidas num gesto de súplica, de súplica dos humildes perante os poderosos. Depois haverá cada vez mais mãos humanas que funcionarão e transformarão o mundo. …] Esta libertação não se fará por acaso, mas pela prática do seu esforço; pelo conhecimento e compreensão de que é necessário lutar por ela. […]. P.1
« Ninguém liberta os outros, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam a si próprios.
… Quando os oprimidos descobrem claramente o que é o opressor e se envolvem na luta organizada pela libertação, começam a acreditar em si mesmos, superando assim a sua « conivência » com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita a um nível puramente intelectual, mas deve estar ligada à acção, parece-nos fundamental que esta acção não se torne um puro activismo, mas que seja necessariamente associada a uma reflexão séria. É apenas desta forma que
que constituirá uma praxis. […]
Fingir libertar [os oprimidos] sem os fazer pensar na sua própria libertação significa transformá-los em objectos que devem ser salvos de um incêndio. É fazê-los cair nas armadilhas da demagogia e transformá-los numa massa de manobras. […]
Estamos convencidos […] de que a reflexão, se for verdadeiramente reflexão, conduz à prática. …] Caso contrário, a acção é puro activismo. …] Os dois pólos, acção e reflexão, devem formar um todo, cujos elementos não devem ser separados. …] A acção política em relação aos oprimidos deve ser, no essencial, uma « acção cultural » pela liberdade e, por conseguinte, uma acção com eles. […] » p.6
Muito cedo, a sua reputação valer-lhe-ia a nomeação como chefe do programa de alfabetização de João Jango Goulart, o último presidente democrata, que foi varrido pelo golpe de Estado de 1964. Imbuído de idéias cristãs e marxistas, como a teologia da libertação, ele logo teorizou a linguagem como um meio de dominação e alienação. Não dominar a própria língua, tanto escrita como falada, significa resignar-se ao domínio da classe dominante. É a partir do seu próprio discurso que os « oprimidos » devem aprender, não daquele que transmite o conhecimento. Paulo vai inventar um método que lhes permitirá dominar a palavra escrita em cerca de trinta horas. O formador tem de se imergir, identificar certos catalisadores e desencadeadores. A partir das palavras de partida, vamos alargar o campo do conhecimento e organizar os textos.
Exilado durante a ditadura, Paulo Freire irá ensinar com humildade em muitos países em desenvolvimento. O reconhecimento internacional do seu trabalho por parte dos seus pares levará, naturalmente, os governos brasileiros pós-ditadura a apelarem para ele. Embora não tenha vivido o advento do primeiro presidente brasileiro das classes trabalhadoras do nordeste, eram as suas teorias que iriam acompanhar o povo brasileiro ao longo do processo de emergência. São todas estas ideias que o movimento escolar não partidário quer retirar da pedagogia brasileira, porque são consideradas subservientes, anti-cristãs e desafiariam uma certa ordem moral. Embora os maiores pedagogos do mundo, incluindo Philippe Meirieu, tenham sido os que conseguiram colocar estas ideias em primeiro plano, não foram capazes de o fazer.