Hugo Pratt e o Brasil : a historia duma evidencia

 

Há mais de quatro décadas que Corto Maltese aparece como a encarnação do homem livre, viajante aventureiro e libertário. O mundo é o seu « prattie », como gostam de dizer os biógrafos de Hugo Pratt. É muitas vezes difícil dissociar o marinheiro com a sola do vento do seu autor. É de facto a história de Hugo Pratt, o seu universo real e fantasioso, que fará Corto Maltese e o Brasil se encontrarem.

É no álbum « Sous le signe du Capricorne » (Sob o signo de Capricórnio) que Corto vai ao encontro dos mistérios dos terreiros da Bahia, lugares de cultos afro-brasileiros, onde os orixás se convidarão a entrar nas casas dos homens. Descobriu também o sertao e os seus duros habitantes, cujo físico é tão seco e nodoso como as árvores da caatinga, a floresta branca dos índios, que atravessam diariamente para pastar o seu gado escasso.

« Rendez-vous in Bahia »: uma continuidade africana

É em Salvador, Roma negra, refúgio dos deuses africanos no exílio, que começa a aventura brasileira de Corto. Há uma narrativa óbvia em « Rendezvous in Bahia ». Como explica Jean Jacques Mandel, antropólogo e grande repórter especializado em diásporas africanas (Geo hors-série « le monde extraordinaire de Corto Maltese, 2002), a Bahia é o refúgio dos deuses africanos no exílio. Esta América negra é uma verdadeira África. « Invisível, reconstruído de forma idêntica, mito após mito, ao longo de quase 5 séculos » (ibidem). O vaguear dos deuses africanos desafia Hugo Pratt cuja adolescência foi para sempre marcada pela Abissínia. Este vaguear místico de Hugo também lhe vem sem dúvida da sua mãe judia, cujos antepassados vieram da judiaria de Toledo e que tinham um gosto pronunciado pelo esoterismo. Este encontro com a Bahia parecia óbvio. Os trajes brancos de origem africana das « mães dos santos », como a sua heroína « boca de ouro » chamada o autor de Corto, pois o íman atrai o metal. As palavras de boca dourada « Estava à tua espera, sonhei contigo ontem à noite », não saíram da imaginação do cartoonista itinerante, mas da boca desta mãe de santos que Hugo Pratt irá realmente conhecer e que imortalizará através do seu carácter de Boca de Ouro. As baianas, as mulheres brasileiras, irão lembrá-lo dos seus amores abissínios. Do seu encontro com as irmãs Dos Santos, adeptas dos terreiros da Bahia, nascerá um filho, para celebrar esta união tanto física como espiritualmente.

Hugo Pratt parece ter um gosto pelos ritos e cerimónias. Ele será atraído pela Maçonaria…e uniformes militares, talvez reminiscência da juventude fascista…ele, o viajante libertário, como o seu herói Corto. Os trajes tradicionais africanos usados pelos seguidores do Candomblé durante as cerimónias aparecem como uniformes de resistência contra a ordem estabelecida: o dos brancos que trouxeram os seus antepassados acorrentados, arrancados das suas terras africanas e que continuam a manter uma ordem iníqua.

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