Há dois anos, a revista do Imperial College of London publicou um artigo que alertava o estado brasileiro para os riscos decorrentes da diminuição do financiamento de programas médicos de monitorização e prevenção dos riscos das crianças de meios desfavorecidos. A crise económica de 2015 teve um forte impacto no crescimento brasileiro e acabou com as conquistas sociais dos governos Lula e Rousseff, particularmente as da « bolsa familia ». A fragilidade da sociedade brasileira voltou a ser uma realidade, recordando-nos que um país emergente ainda não é um país « desenvolvido » e que o milagre económico nem sempre é um milagre social. O governo (ilegítimo?) Temer tinha feito da austeridade e da contracção das despesas sociais o seu cavalo de batalha. A retirada do Estado dos sectores da saúde pública e dos programas sociais para ajudar as famílias desfavorecidas criaria, tal como noutros países em desenvolvimento como Marrocos, um sistema de saúde (e educação) a dois níveis. Dois anos mais tarde, estas escolhas enfraqueceriam a capacidade do Estado brasileiro para cuidar das patologias Covid19 mas, de um modo mais geral, das categorias mais frágeis da população brasileira. A catástrofe anunciada seria de facto o resultado do imperialismo dos governos que favoreceram a economia em detrimento da saúde.
O texto seguinte é uma tradução do artigo do Colégio Imperial.
https://www.imperial.ac.uk/news/186412/brazils-austerity-measures-could-increase-avoidable/
Os cortes nos programas sociais no Brasil poderiam levar a hospitalizações e mortes de crianças mais evitáveis do que a manutenção do financiamento actual.
Os resultados do novo estudo, publicado esta semana na revista PLOS Medicine, são o resultado de pesquisas realizadas por pesquisadores do Imperial College London e da Universidade Federal da Bahia no Brasil.
Utilizando modelos estatísticos para simular resultados futuros, os investigadores constataram que as taxas de mortalidade infantil poderiam ser 8,6% inferiores até 2030 se os investimentos em dois grandes programas sociais fossem protegidos das medidas de austeridade actualmente propostas.
A equipa constatou também que estas políticas de austeridade afectam de forma desproporcionada as regiões mais pobres do país.
O Brasil é a oitava maior economia do mundo, mas desde 2015 uma profunda crise económica aumentou a pobreza e o governo introduziu medidas de austeridade que reduzem significativamente o financiamento de programas sociais .
Entre estas medidas, são propostos cortes em dois grandes programas conhecidos por reduzirem a mortalidade infantil: o Programa Bolsa Família (BFP) e o Estrategia Saude da Família (FSE) – o principal programa de assistência social do Brasil e o serviço de cuidados de saúde primários destinado a reduzir a pobreza.
O BFP foi lançado em 2003 e, até 2016, deverá abranger 25% das famílias brasileiras, fornecendo fundos às famílias pobres, às pessoas vulneráveis e às mulheres grávidas. O FSE fornece às famílias serviços de saúde baseados na comunidade, incluindo imunização, serviços de saúde infantil, tratamento de doenças simples e gestão de doenças crónicas. Os dados existentes mostram que estes programas conduziram a melhorias significativas na saúde, especialmente no que diz respeito às crianças.
Até à data, contudo, foram recolhidos poucos dados sobre a forma como a crise económica, as medidas de austeridade e a reduzida cobertura destes programas sociais poderiam afectar a saúde das crianças nos países de rendimento médio, como o Brasil.
O custo dos cortes
No último documento, os investigadores desenvolveram um modelo estatístico para medir os efeitos esperados da crise económica, da pobreza e do impacto das reduções destes dois programas na saúde infantil em todos os 5.507 municípios brasileiros para o período 2017-2030.
As suas simulações revelaram que a manutenção da cobertura dos programas de protecção social levou a uma diminuição da taxa de mortalidade infantil para 8,6% em 2030, em comparação com uma menor cobertura sob medidas de austeridade.
Além disso, as suas simulações revelaram que a manutenção da cobertura do FPB e do FSE reduziu o número de mortes de crianças evitáveis em quase 20 000 e que as hospitalizações de crianças evitáveis foram até 124 000 mais baixas entre 2017 e 2030, em comparação com a austeridade. Verificaram também que os municípios mais pobres do país seriam os mais afectados.
O Professor Christopher Millett, da Escola Imperial de Saúde Pública e autor do estudo, afirmou: « É evidente que estes programas têm um impacto extremamente benéfico sobre a saúde das crianças brasileiras.
« Instamos os responsáveis políticos brasileiros a proteger a saúde e o bem-estar das crianças, invertendo as medidas de austeridade propostas que afectam estes importantes programas sociais ».
Davide Rasella, da Universidade Federal da Bahia, acrescentou: « O nosso estudo sugere que a redução da cobertura dos programas de combate à pobreza e de cuidados primários poderia levar a um número significativo de mortes e hospitalizações de crianças evitáveis no Brasil.
« Estas medidas de austeridade terão um impacto desproporcionado na mortalidade infantil nos municípios mais pobres, travando os progressos significativos feitos no Brasil na redução das desigualdades em matéria de saúde infantil ». (fim da traduçao)
Infelizmente, os conselheiros brasileiros não conseguiram libertar-se das considerações neoliberais dos doadores internacionais. A conta está agora a ser paga em dezenas de milhares de vidas.